segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

meia-noite

No Inverno, fechava o café sempre por volta das 10 horas. Aparecia um ou outro para tomar a bica e dar dois dedos de conversa depois do jantar, mas era cada vez mais raro. Naquele bairro, as pessoas ficavam em casa à noite. Era gente que se levantava cedo para trabalhar ou então eram idosos que já não se davam a essas frescuras de saídas fora de horas.
Naquela sexta-feira, porém, o café estava praticamente cheio. Pelo que Júlia conseguiu perceber, eram todos familiares, ou amigos, ou amigos de familiares duma senhora que tinha completado 90 anos e toda esta gente lhe tinha feito a surpresa de vir visitá-la. Estavam agora de abalada, cada um para seu destino, e um cafezinho vinha mesmo a calhar para a viagem. Aproveitavam para pôr a conversa em dia, saber as últimas novidades de cada um. Afinal, todos sabemos que há encontros que só se repetem em casamentos ou funerais.
Já passava das 11 horas, quando Júlia conseguiu finalmente fechar a porta e pendurar o letreiro “Encerrado”. Agora ainda era preciso cumprir aquele ritual de arrumar as mesas e as cadeiras, quatro para cada mesa, retirar as chávenas e os pires e os papéis, meter a loiça na máquina, deixar tudo mais ou menos encaminhado para que, quando a Tânia chegasse de manhã, pudesse abrir com o mínimo de demora. Só não teve paciência para passar o chão… “amanhã! … já é tarde! …”
 
Finalmente fechou as luzes e a porta. Não chovia, mas estava frio e uma brisa cortante. Levantou a gola do casaco, apertou mais o cachecol e pôs-se a caminho de casa. Não era longe, fazia geralmente o caminho a pé. Desta vez, era só mais tarde que o habitual. Na rua, não se via vivalma… passava um carro ou outro… ouviam-se os passos de Júlia no passeio…
Soaram nitidamente as badaladas duma qualquer torre de igreja… meia-noite!... Nesse momento Júlia parou e olhou em todas as direcções como se esperasse qualquer coisa… “se ao menos estivesse em Paris!...“, pensou.

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