«Tom
aprendera com José Quintero que não se deve roubar pão – o motivo é de ordem
religiosa; e que dirigir uma peça ou um filme é procurar algo de tímido e de
interior, escondido nos bosques do nosso ser.
Era o
começo do Outono e as folhas desprendiam-se das árvores; à noite fazia frio. No
teatro, fazia sempre frio. Tom tinha visto tantas raparigas a lerem o papel,
que começava a sentir-se aborrecido. Uma das actrizes profissionais do primeiro
dia…
A
rapariga foi a última da tarde. Ele viu-a atravessar a sala e subir para o
palco sem grande interesse. Era bonita, o cabelo louro comprido, o corpo magro,
vestia um casaco preto de cabedal que tirou antes de sentar-se. Por baixo
vestia uma T-shirt branca, sem mangas, e uma saia preta que lhe ficava alguns
centímetros acima do joelho. Botas pretas. Parecia cansada.
Tom
conhecia aquele cansaço. Não era o cansaço de quem trabalhara muito naquele
dia, de quem trabalhara muito na véspera, mas a simples dor de estar vivo.
Devia ter vinte e nove ou trinta anos. Ele conseguia ver a sua história nos
olhos cor de avelã. O trabalho num bar para pagar os estudos, um ou dois bons
papéis, inúmeras audições e depois nada. Pequenos papéis em peças que saíam de
cartaz ao fim de umas semanas e nada.»
[in O
Lago, de Ana Teresa Pereira, Relógio d'Água, 2011]
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